10.1.09

louvor à cidade que já não amo

não tenho nada para fazer amanhã por isso vou a lisboa.
a minha cidade já foi objecto da minha admiração, cenário de vida. agora está alí, e é do tamanho só disso. serve para estar alí.
mas fique o tempo como esteve hoje e amanhã vou a lisboa.

gosto de clareza, na ausência ou na impossibilidade, gosto de claridade, e nestes dias lisboa oferece uma claridade, limpa e silenciosa que é rara e mal aproveitada.

o mal maior de lisboa, não é o custo de vida, a corrupção dos politicos ou os prédios devolutos. o mal maior de lisboa é a falta de reverência.
os dias em que esta luz profunda e estacionária, acompanhada de um frio continuo sem vento, combinam na perfeição tudo para se fruir a cidade.
os transeuntes mudos de frio, ou abandonam a rua, ou caminham nela narizes no chão do respeito. e com os paisanos certos, a cidade já está melhor.
a cidade agora sem cheiro, que é mentira que cheire bem, oferece a lentidão que a chuva não permite, é a vida em camara lenta, assim, perante nós estacionada.
são prédios e estradas, como podia ser um prado ou um pomar. o que importa é a sensação que podemos contemplar quilometros, e como há miradouros, há sitios em que se pode mesmo. a primeira função de um espaço é teatral, sejamos nós os actores.

é finalmente nestes dias, que esta pobre cidade africana completa na perfeição o paradoxo que é ser em tudo de um outro hemisfério e que aspira agora ser do norte, frio e funcional.
lisboa, num domingo de frio e sol, funciona às mil maravilhas.

fomos europa que em tempos sonhou o sul e a distância, que agora que lá chegámos, estando distantes sonhamos voltar, ir para norte. e como eu gosto de sonhos.

e ainda mais do que sonhos, do que eu gosto mesmo muito é de paradoxos.




adenda - para mim lisboa sao uns vinte bairros, onde devem habitar umas duzentas mil pessoas. não é uma divisão administrativa, e muito menos é uma região. marcar num mapa o que é lisboa é desnecessário, porque no sitio, até um cego vê.

FRJ