A capacidade da arquitectura influênciar a vida é, ao contrário do que nós praticantes desta arte gostamos de apregoar, limitada, sobretudo se a compararmos com factores sociais, económicos e políticos. Vem esta reflexão a propósito do conjunto habitacional Vele di Scampia, epicentro do excelente filme Gomorra que retrata de forma crua e cruel os meandros da Camorra. Vendo o filme, facilmente somos tentados a ler na complexidade da organização do espaço em múltiplos passadiços, corredores, escadas e arcadas que ligam os diferentes apartamentos lugares de potenciação da marginalidade do bairro. Conclusão lógica até pela forma hábil de filmar do realizador, que acompanha os personagens nas suas deambulações pelo edifício. No entanto, o que menos pessoas saberão, é que o mesmo arquitecto - Franz di Salvo - tem um projecto idêntico nos arredores de Cannes que se encontra impecavelmente conservado e a funcionar, sendo até objecto de rasgados elogios dos seus moradores. Parece evidente que o contexto económico e social acabou por ditar destinos diferentes para projectos idênticos.
Portanto, caros colegas, continuemos a combater o lado negro da força e a desenhar coisas bonitas, mas, por favor, acalmai o ego e deixai de pregar ao mundo a infinita capacidade redentora do desenho e da análise programática.
LRO
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